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sexta-feira, 7 de maio de 2010

Integração e Reintegração das Vítimas de TIP

Transversalmente a todos os apoios que fomos referindo, deve existir apoio médico, jurídico e psicológico. Focando-nos no apoio psicológico, a questão agora centra-se, portanto em quais as estratégias de intervenção?

Antes de responder a esta questão convém referir as consequências psicológicas evidentes no período da integração (quando a mulher se estabelece num país que não o de origem ou num local longe do seu local de proveniência mesmo que dentro do seu país, após o processo de tráfico) ou reintegração (quando a vítima regressa ao país de origem e/ou para junto dos seus familiares). A Perturbação Pós-Stress Traumático é comum nas vítimas como consequência dos actos brutais como a tortura e a violação. A maneira como a vítima se vai relacionar com os demais, e com a comunidade em geral (principalmente pessoas que ilustrem autoridade e familiares) pode ter mudado radicalmente e desembocado num sentimento total de desconfiança. Tal, ocorre pelas repetidas re-vivências e rememoração dos episódios traumatizantes:


“O meu corpo já não sente dor mas eu consigo sentir dor no meu coração como se tudo estivesse a acontecer agora. Eu ainda lembro o sentimento de sofrimento, e a figura de mim própria a ser violada por aqueles clientes.”


“Agora eu durmo com uma faca e com o telefone debaixo da almofada. Tenho medo que ele volte para cortar a minha garganta. Assim, poderei ligar à polícia.”


A capacidade da vítima para manter laços de intimidade pode estar alterada, uma vez que a última pessoa em quem confiaram, explorou-a. As estratégias de coping desenvolvidas ao longo do processo de TIP, que as ajudaram a antecipar e a evitar o perigo, a lidar com riscos eminentes e a tolerar as consequências negativas, que uma vez foram adaptativas, podem agora inibir a resiliência individual e o funcionamento normal. Por exemplo, muitas vítimas mostram comportamentos de agressividade e de hostilidade ou são aparentemente intolerantes. Estes sentimentos, que eram auto-protectivos, tornaram-se normalizados como resposta a um ambiente inseguro e ameaçador. Para as vítimas que permaneceram longos períodos de tempo com estas ameaças, pode ser difícil interagir com o mundo sem que essas ameaças existam. Logo, quando o inimigo não existe claramente, elas continuam a criar um, canalizando os seus sentimentos negativos para marido, familiares e filhos. Por conseguinte, algumas mulheres, perante uma adaptação negativa, regressam a prostituição ou aos serviços dos traficantes por este ser o ambiente onde as dinâmicas interpessoais são congruentes com as suas capacidades adaptativas e para onde a sua dinâmica mental está orientada. Um ambiente caracterizado pela ausência de julgamentos, pelos cuidados contínuos e a preocupação pelas necessidades emocionais da vítima é crucial para uma adaptação positiva. Os traumas anteriores estão continuamente a influenciar as suas percepções actuais sobre o seu papel como mãe, filha, esposa ou cidadã. Enquanto uma vítima de um único trauma sente que após o evento não é ela própria, uma pessoa que foi vítima de trauma crónico sente que o seu self mudou irreversivelmente, ou perdeu o senso completo do seu self.


A vivência do tráfico pode originar a ruptura sistemática dos laços familiares básicos e essenciais com a família, os amigos e os sistemas religiosos e culturais, assim como a destruição dos valores fundamentais em torno da existência humana. O medo de fazer novas relações é também muito comum. Tanto em cenários de integração ou reintegração as vítimas, muitas vezes, acabam por desembocar, voluntariamente, na prostituição ou em relações violentas. Tal acontece porque estas não conseguem ajuda efectiva e eficaz que precisam, e por não terem um ambiente envolvente que lhes prestem cuidados e suporte. Os familiares e a sociedade em geral vêem com “maus olhos” as vítimas, segregam-nas (por terem sido prostitutas), não compreendendo as situações pelas quais passaram.


Perante este cenário, a intervenção deve basear-se na compreensão da experiencia psicológica penosa sofrida pela vítima, com vista à recuperação de um funcionamento normal. Os elementos básicos de recuperação são:


Restabelecimento da segurança
Promoção do domínio do self – o traficante procurou tirar este domínio. Para fazer progressos neste domínio podemos procurar que a vítima tenha o maior controlo possível sobre o seu processo de recuperação.
Restabelecimento dos laços e vínculos com os demais – tentar dar a perceber às vítimas que existem outras pessoas na comunidade, como o terapeuta, que lhe podem dar amparo e relações seguras.
Restabelecer o significado e o sentido da própria existência, assim como dignidade pessoal e o respeito por si próprio.


(baseado em: “Manual para la lucha contra la trata de personas”, Nações Unidas, 2006
“The health risks and consequences of Trafficking in Women and Adolescents, Findings from a European Study”)

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